Respeito ao cadáver desconhecido

15:07


A utilização do cadáver é uma tríplice lição educativa :

a. Instrutiva ou informativa, como meio de conhecimento da organização do corpo humano,
precedendo ao estudo no vivo;
b. Normativa, disciplinadora do estudo, pelo seu caráter metodológico e de precisão de linguagem;
c. Estético-moral, pela natureza do material de estudo, o cadáver, e pelo método de aprendizado, a dissecação, que é experiência e fuga repousante na contemp lação da beleza e harmonia de construção do organismo humano.





Essencialmente, porém, lição de ética e de humildade, pois:


1. É o cadáver do indigente – homem, mulher, criança, velho – marginal da vida, da família e da
sociedade; cadáver que – como o doente indigente – não é fato isolado da comunidade, mas seu reflexo, dela provindo; cadáver que é meio para o vivo como o doente o é para a sociedade;

2. Cadáver cujos despojos miseráveis no "abandono da morte parecem ainda sofrer e pedir piedade"; partes mortas que serão vivificadas pelo calor da juventude estudiosa e de seu sentimento de gratidão;


3. Cadáver de pessoa sem lar, abandonada, esquecida ou ignorada pela família e pela sociedade em parte, ao menos, culpada; de pessoa que mal viveu, do nascimento à agonia solitária, sem amparo e sem conforto amigo; vida que de humana só recebe o apelido;


4. Cadáver de um "irmão em humanidade", que não teve ilusões, descrente e sofrido; de pessoa que, quanto mais atingida pela desventura, mais se aproximava da mesa de dissecação, como prêmio à sua desgraça;

5. Cadáver de alguém que, se foi inútil, oneroso ou mesmo nocivo à sociedade, paga, pelo conhecimento que proporciona ao futuro médico, com alto juro, o mal que se lhe atribui, do qual é mais vítima que culpado;

6. Cadáver que é de alguém anônimo e não de um de nós – eu ou um dos senhores – apenas pelo capricho do jogo do acaso do destino genético;

7. Cadáver do anônimo que adquire o valor de um símbolo – cadáver desconhecido – e assim
ultrapassa o limite estreito de um nome e, despersonalizado, distribui elementos para o bem coletivo, sem ter conhecimento quer antes, durante ou depois de sua imolação, do seu destino a um tempo trágico e de redenção;


8. Despojos de alguém que, pelo seu sacrifício, tudo oferece sem nada haver recebido, que se dá sem saber que dá e, por isso, sem conhecer a recompensa da gratidão e sem sentimento do valor da sua dádiva generosa, na mais nobre expressão de caridade universal: caridade de humilde e in digente para humildes e poderosos;


9. Cadáver que, dissecado, desmembrado, simboliza outra forma de crucificação para o bem comum e marca o sentido profundamente humano da Medicina;

10. O material de estudo da Anatomia Humana transcende, pois, ao simples valor de meio ou objeto de aprendizado; e nos fala em linguagem universal que nos educa na humildade da limitação humana.


Eis porque na austeridade do ambiente do Laboratório de dissecação a atitude física, mental e verbal do aluno deve ser sobriedade, meditação e elevada compostura, manuseando as peças anatômicas com o mais profundo sentimento de respeito e carinho.
por Professor Renato Locchi"

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Homenagem Ao Cadáver Desconhecido 

Ninguém conhece sua identidade, de onde veio e o que fez. Permanece em um sono eterno e indolor. É um mestre sem vida que um dia, assim como nós, sonhou em ser vitorioso e feliz, contudo, não teve se quer uma oração ou uma palavra de despedida em seus últimos momentos angustiantes.
Hoje, nossa homenagem é para você que, com seu corpo inerte em uma mesa de laboratório enriquece-nos com o alimento intelectual da anatomia.

Oração Ao Cadáver Desconhecido 

            "Ao curvar-te com a lâmina rija de teu bisturi sobre o cadáver desconhecido, lembra-te de que este corpo nasceu do amor de duas almas cresceu embalado pela fé e esperança daquele que, em seu seio, o agasalhou, sorriu e sonhou os mesmos sonhos das crianças e dos jovens, por certo amou e foi amado e sentiu saudades dos outros que aprtiram, acalentou um amanhã feliz e agora jaz na fria lousa, sem que, por ele, se tivesse derramado uma lágrima sequer, sem que tivesse uma só prece. Seu nome só Deus o sabe, mas o destino inexorável deu-lhe o poder e a grandeza de servir à humanidade que por ele passou indiferente".

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